E a liberdade de expressão, Mendonça?
Por Clarissa Gross, Laura Tkacz, Mônica Galvão e Taís Gasparian
Publicado originalmente em o globo

Não se sabe ainda se André Mendonça continua candidato à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal(STF). Há muita controvérsia em torno do seu nome. Caso venha a ser sabatinado, o Senado deverá inquiri-lo sobre sua atuação profissional prévia. E, para que esse rito de passagem, por assim dizer, não seja um teatrinho de fantoches, impõe-se que Mendonça seja confrontado sobre sua posição quanto à garantia constitucional da liberdade de expressão. Embora o princípio tenha aliados no STF, não parece figurar na lista de prioridades do candidato.

Entre abril de 2020 e março de 2021, período em que ocupou o Ministério da Justiça, Mendonça requisitou a abertura de inquéritos policiais com base na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal para apurar manifestações críticas ao governo, ignorando os contornos da liberdade de expressão delimitados pelo próprio STF, que agora é indicado a compor.

Mendonça teria determinado a apuração de ao menos sete publicações feitas em jornais e em redes sociais. Só para lembrar, requisitou investigação contra as manifestações de Guilherme Boulos, que lembrou que “a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina…”, e de Ricardo Noblat, quando afirmou que “do jeito que vão as coisas, cuide-se Bolsonaro para que não apareça outro louco como Adélio”. Também foram objeto de investigação uma curtida do deputado federal Túlio Gadêlha, no Instagram, referente a um comentário sugerindo que “uma facada verídica resolveria tudo”; a charge do cartunista Renato Aroeira em que o presidente é associado à suástica; e dois outdoors em Palmas, com a imagem de Bolsonaro e as mensagens “cabra à toa, não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já!” e “Vaza Bolsonaro #o Tocantins quer paz”.

Esses casos foram arquivados, cada qual com especificidades próprias, sob o mesmo fundamento de que os investigados não tinham por objetivo macular a honra do presidente da República, mas apenas o criticavam, num exercício inerente e indispensável à dialética do regime democrático. Esse desfecho, de tão fácil compreensão até para leigos, reforça a dúvida acerca do posicionamento de Mendonça no campo e nas fronteiras da liberdade de expressão, especialmente quanto a discursos incisivos à conduta de agentes públicos.

Pessoas públicas, em especial aquelas que ocupam cargos políticos, submetem-se a um maior escrutínio por parte da sociedade, devendo ser mais tolerantes à crítica. Isso se dá porque se expõem voluntariamente e, por vezes, se beneficiam dessa exposição. Natural, assim, que também tenham de acolher o ônus dessa posição.

Reclamar de políticos e questionar duramente suas condutas, numa linguagem comum e às vezes mordaz, não é só necessário, como integra o jogo republicano. A pretensão de criminalizar a crítica é uma verdadeira aberração, um despautério sem limite, porque esse é um direito essencial para as democracias e é particularmente importante em períodos de polarização e controvérsias políticas. Aos cidadãos, justamente ,cabe controlar aqueles que exercem os poderes de Estado. Não faz sentido algum que o sistema repressivo estatal seja impulsionado para puni-los.

Caso venha a ser sabatinado, espera-se então que as senhoras e os senhores integrantes do Senado questionem Mendonça acerca de sua postura nos episódios aqui lembrados diante do livre exercício do direito de informação, de opinião e de crítica. Como o eventual ministro se portará quando for instado a proferir decisões a respeito de críticas e comentários lançados às pessoas e às ações daqueles que o indicaram?

E a liberdade de expressão, Mendonça?
Por Clarissa Gross, Laura Tkacz, Mônica Galvão e Taís Gasparian
Publicado originalmente em o globo
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Não se sabe ainda se André Mendonça continua candidato à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal(STF). Há muita controvérsia em torno do seu nome. Caso venha a ser sabatinado, o Senado deverá inquiri-lo sobre sua atuação profissional prévia. E, para que esse rito de passagem, por assim dizer, não seja um teatrinho de fantoches, impõe-se que Mendonça seja confrontado sobre sua posição quanto à garantia constitucional da liberdade de expressão. Embora o princípio tenha aliados no STF, não parece figurar na lista de prioridades do candidato.

Entre abril de 2020 e março de 2021, período em que ocupou o Ministério da Justiça, Mendonça requisitou a abertura de inquéritos policiais com base na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal para apurar manifestações críticas ao governo, ignorando os contornos da liberdade de expressão delimitados pelo próprio STF, que agora é indicado a compor.

Mendonça teria determinado a apuração de ao menos sete publicações feitas em jornais e em redes sociais. Só para lembrar, requisitou investigação contra as manifestações de Guilherme Boulos, que lembrou que “a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina…”, e de Ricardo Noblat, quando afirmou que “do jeito que vão as coisas, cuide-se Bolsonaro para que não apareça outro louco como Adélio”. Também foram objeto de investigação uma curtida do deputado federal Túlio Gadêlha, no Instagram, referente a um comentário sugerindo que “uma facada verídica resolveria tudo”; a charge do cartunista Renato Aroeira em que o presidente é associado à suástica; e dois outdoors em Palmas, com a imagem de Bolsonaro e as mensagens “cabra à toa, não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já!” e “Vaza Bolsonaro #o Tocantins quer paz”.

Esses casos foram arquivados, cada qual com especificidades próprias, sob o mesmo fundamento de que os investigados não tinham por objetivo macular a honra do presidente da República, mas apenas o criticavam, num exercício inerente e indispensável à dialética do regime democrático. Esse desfecho, de tão fácil compreensão até para leigos, reforça a dúvida acerca do posicionamento de Mendonça no campo e nas fronteiras da liberdade de expressão, especialmente quanto a discursos incisivos à conduta de agentes públicos.

Pessoas públicas, em especial aquelas que ocupam cargos políticos, submetem-se a um maior escrutínio por parte da sociedade, devendo ser mais tolerantes à crítica. Isso se dá porque se expõem voluntariamente e, por vezes, se beneficiam dessa exposição. Natural, assim, que também tenham de acolher o ônus dessa posição.

Reclamar de políticos e questionar duramente suas condutas, numa linguagem comum e às vezes mordaz, não é só necessário, como integra o jogo republicano. A pretensão de criminalizar a crítica é uma verdadeira aberração, um despautério sem limite, porque esse é um direito essencial para as democracias e é particularmente importante em períodos de polarização e controvérsias políticas. Aos cidadãos, justamente ,cabe controlar aqueles que exercem os poderes de Estado. Não faz sentido algum que o sistema repressivo estatal seja impulsionado para puni-los.

Caso venha a ser sabatinado, espera-se então que as senhoras e os senhores integrantes do Senado questionem Mendonça acerca de sua postura nos episódios aqui lembrados diante do livre exercício do direito de informação, de opinião e de crítica. Como o eventual ministro se portará quando for instado a proferir decisões a respeito de críticas e comentários lançados às pessoas e às ações daqueles que o indicaram?