O caso da jornalista Sandra Venâncio e o uso de processos criminais para intimidação da imprensa

A jornalista Sandra Venâncio iniciou sua carreira em 1989, como estagiária no jornal Correio Popular, em Campinas. Durante sua trajetória, também trabalhou em uma agência publicitária, até que decidiu fundar um jornal alternativo no município, o Jornal Local, na região dos distritos de Sousas e Joaquim Egídio.

Desde 2004, Sandra mantém a coluna “Tiro Certo”, onde escreve sobre a política local. Por suas denúncias, a jornalista já sofreu diversas ameaças. “Sempre fui muito perseguida”, conta. “Teve um caso em que eu sofri uma tentativa de agressão de um rapaz morador de um condomínio fechado”, lembra. 

Em 2021, as ameaças a Sandra ganharam um caráter judicial, após denunciar que um subprefeito na região de Campinas era investigado pelo Ministério Público do Trabalho de Campinas por envolvimento em um caso de assédio sexual, quando ainda era comissionado da Secretaria da Habitação. 

“Ele já vinha me ameaçando e depois foi confirmado com uma intimação do oficial de justiça”, conta a jornalista. Pela internet, Sandra conheceu o Instituto Tornavoz, que provê auxílio técnico e financia a defesa daqueles que estão sofrendo processos judiciais em virtude do exercício de sua liberdade de expressão. Logo após ter recebido a intimação, ela entrou em contato com a equipe pelo site, para pedir auxílio na sua defesa.

 

O processo

O funcionário público processou a jornalista sob a acusação de tê-lo difamado em seu texto, além de ter “extrapolado o direito à livre manifestação de pensamento”. “Essa questão dos limites da liberdade de expressão no jornalismo tem sido amplamente debatida, principalmente em contextos do que tem se chamado de ‘assédio judicial’”, aponta Caio Favaretto, um dos advogados que atuou no caso de Sandra. 

“Nesses casos, as vítimas de supostos crimes contra a honra ajuízam ações contra jornalistas como forma de intimidação judicial em financeira, buscando o chamado ‘chilling effect’, ou seja, um efeito dissuasório na elaboração de matérias contra pessoas com exposição pública”, explica.

A acusação também argumentou que o processo citado pela jornalista, e pelo qual subprefeito estaria sendo investigado, não existia, com base em uma Certidão Negativa de Distribuições de Ações Penais. 

“Existem algumas particularidades que podem ensejar a expedição de certidão negativa ainda que existam procedimentos distribuídos em nome da pessoa objeto da certidão, como a natureza sigilosa de alguns procedimentos, ou, até, a classe deste procedimento, como a existência de inquéritos policiais, que ainda ensejaria a expedição de uma certidão negativa”, aponta Favaretto. 

“No caso dos autos, posteriormente foi juntada uma pesquisa elaborada pelo próprio Cartório, que, por isso, é mais abrangente, na qual constou a existência do procedimento mencionado na matéria por Sandra”, explica.

No processo, o autor da queixa-crime solicitou uma indenização de, no mínimo, R$5 mil; uma retratação pública nos moldes da matéria veiculada; e a responsabilização criminal da jornalista pelo crime contra a honra – cuja pena pode variar de seis meses a dois anos de prisão e multa.

Após a defesa de Sandra apontar uma série de irregularidades na queixa crime e de o Ministério Público reconhecer uma delas, requerendo que a inicial fosse indeferida, o subprefeito desistiu de apresentar um texto para publicação de seu posicionamento em espaço que foi ofertado por Sandra em audiência, o que foi interpretado pelo juiz como uma desistência do processo. Diante disso, a ação foi encerrada. 

 

Desejo de mudança

Para a jornalista, até hoje comentar sobre o caso traz uma sensação de medo e insegurança, mas a impunidade a incomoda ainda mais. “A exposição acho que é pior porque parece haver uma inversão de valores, como parece que o bandido é você”, lamenta.

Sandra também expressa o seu desejo de que a legislação mude para que garanta mais segurança e liberdade aos profissionais da imprensa, que têm sido calados por exercer o próprio trabalho.

“Creio que não há mais segurança jurídica ao jornalista mesmo quando ele está embasado de fatos, provas e relatos do entrevistado. A partir de agora, terei um pouco mais de cuidado, mas não vou deixar de dar a notícia mesmo que não agrade o denunciado”, conclui.

Charlene Nagae, Diretora Executiva do Tornavoz, expressa sua preocupação com casos como o da jornalista: “é muito comum que queixas por calúnia, injúria e difamação sejam utilizadas para intimidar jornalistas. Ficamos muito felizes com o desfecho do caso de Sandra, mas há muitos processos como os dela que acabam em acordos prejudiciais aos profissionais ou mesmo em condenações sem qualquer embasamento”.

“É um absurdo que repórteres possam ser levados à prisão por conta de matérias jornalísticas. Não há erro na matéria da Sandra, mas mesmo que houvesse, certamente não é pela via penal que se deve resolver esse tipo de situação. O Brasil precisa urgentemente mudar a sua legislação, até mesmo para obedecer parâmetros internacionais de proteção à liberdade de expressão”, conclui.

O caso da jornalista Sandra Venâncio e o uso de processos criminais para intimidação da imprensa
voltar

A jornalista Sandra Venâncio iniciou sua carreira em 1989, como estagiária no jornal Correio Popular, em Campinas. Durante sua trajetória, também trabalhou em uma agência publicitária, até que decidiu fundar um jornal alternativo no município, o Jornal Local, na região dos distritos de Sousas e Joaquim Egídio.

Desde 2004, Sandra mantém a coluna “Tiro Certo”, onde escreve sobre a política local. Por suas denúncias, a jornalista já sofreu diversas ameaças. “Sempre fui muito perseguida”, conta. “Teve um caso em que eu sofri uma tentativa de agressão de um rapaz morador de um condomínio fechado”, lembra. 

Em 2021, as ameaças a Sandra ganharam um caráter judicial, após denunciar que um subprefeito na região de Campinas era investigado pelo Ministério Público do Trabalho de Campinas por envolvimento em um caso de assédio sexual, quando ainda era comissionado da Secretaria da Habitação. 

“Ele já vinha me ameaçando e depois foi confirmado com uma intimação do oficial de justiça”, conta a jornalista. Pela internet, Sandra conheceu o Instituto Tornavoz, que provê auxílio técnico e financia a defesa daqueles que estão sofrendo processos judiciais em virtude do exercício de sua liberdade de expressão. Logo após ter recebido a intimação, ela entrou em contato com a equipe pelo site, para pedir auxílio na sua defesa.

 

O processo

O funcionário público processou a jornalista sob a acusação de tê-lo difamado em seu texto, além de ter “extrapolado o direito à livre manifestação de pensamento”. “Essa questão dos limites da liberdade de expressão no jornalismo tem sido amplamente debatida, principalmente em contextos do que tem se chamado de ‘assédio judicial’”, aponta Caio Favaretto, um dos advogados que atuou no caso de Sandra. 

“Nesses casos, as vítimas de supostos crimes contra a honra ajuízam ações contra jornalistas como forma de intimidação judicial em financeira, buscando o chamado ‘chilling effect’, ou seja, um efeito dissuasório na elaboração de matérias contra pessoas com exposição pública”, explica.

A acusação também argumentou que o processo citado pela jornalista, e pelo qual subprefeito estaria sendo investigado, não existia, com base em uma Certidão Negativa de Distribuições de Ações Penais. 

“Existem algumas particularidades que podem ensejar a expedição de certidão negativa ainda que existam procedimentos distribuídos em nome da pessoa objeto da certidão, como a natureza sigilosa de alguns procedimentos, ou, até, a classe deste procedimento, como a existência de inquéritos policiais, que ainda ensejaria a expedição de uma certidão negativa”, aponta Favaretto. 

“No caso dos autos, posteriormente foi juntada uma pesquisa elaborada pelo próprio Cartório, que, por isso, é mais abrangente, na qual constou a existência do procedimento mencionado na matéria por Sandra”, explica.

No processo, o autor da queixa-crime solicitou uma indenização de, no mínimo, R$5 mil; uma retratação pública nos moldes da matéria veiculada; e a responsabilização criminal da jornalista pelo crime contra a honra – cuja pena pode variar de seis meses a dois anos de prisão e multa.

Após a defesa de Sandra apontar uma série de irregularidades na queixa crime e de o Ministério Público reconhecer uma delas, requerendo que a inicial fosse indeferida, o subprefeito desistiu de apresentar um texto para publicação de seu posicionamento em espaço que foi ofertado por Sandra em audiência, o que foi interpretado pelo juiz como uma desistência do processo. Diante disso, a ação foi encerrada. 

 

Desejo de mudança

Para a jornalista, até hoje comentar sobre o caso traz uma sensação de medo e insegurança, mas a impunidade a incomoda ainda mais. “A exposição acho que é pior porque parece haver uma inversão de valores, como parece que o bandido é você”, lamenta.

Sandra também expressa o seu desejo de que a legislação mude para que garanta mais segurança e liberdade aos profissionais da imprensa, que têm sido calados por exercer o próprio trabalho.

“Creio que não há mais segurança jurídica ao jornalista mesmo quando ele está embasado de fatos, provas e relatos do entrevistado. A partir de agora, terei um pouco mais de cuidado, mas não vou deixar de dar a notícia mesmo que não agrade o denunciado”, conclui.

Charlene Nagae, Diretora Executiva do Tornavoz, expressa sua preocupação com casos como o da jornalista: “é muito comum que queixas por calúnia, injúria e difamação sejam utilizadas para intimidar jornalistas. Ficamos muito felizes com o desfecho do caso de Sandra, mas há muitos processos como os dela que acabam em acordos prejudiciais aos profissionais ou mesmo em condenações sem qualquer embasamento”.

“É um absurdo que repórteres possam ser levados à prisão por conta de matérias jornalísticas. Não há erro na matéria da Sandra, mas mesmo que houvesse, certamente não é pela via penal que se deve resolver esse tipo de situação. O Brasil precisa urgentemente mudar a sua legislação, até mesmo para obedecer parâmetros internacionais de proteção à liberdade de expressão”, conclui.